O despertador soou com tanta força que chacoalhou a América Latina, pondo fim ao sonho e à crença sobre o interminável ciclo das commodities. Acordamos com a certeza de que negligenciamos as questões estruturais e que a agenda do dia obrigatoriamente passou a ter como prioridade dois temas: competitividade e geração de emprego. Neste cenário, a tecnologia se instalou. Metade da população da região passou a viver acoplada a smartphones e a conectividade permanente tornou-se base para o que comprar, onde ir, no que confiar, e o que pensar. O Brasil se destaca como o primeiro país do mundo em uso das redes sociais. O brasileiro passa, em média, mais de três horas e meia por dia navegando por Instagram, Facebook, Twitter, LinkedIn e outras. Os mobile-first consumers exigem das empresas o entendimento dessas necessidades, a antecipação das próximas e a resposta cada vez mais ágil, humana, encantadora.
Uber, Amazon, Netlix, Spotify são algumas das empresas que entenderam muito rápido a força do mercado latino-americano e, ao chegarem, provocaram uma reação rápida das companhias locais. Por toda a região, grandes organizações em setores como financeiro, bens de consumo, e varejo se reinventam e transformam diferentes indústrias. A criatividade latina fez brotar as startups, que criam, testam, ofertam, escalam em velocidade incrível. Entre outras, vieram Rappi, Easy Taxi, Mercado Pago, 99, iFood, Creditas e Nubank, esta última próxima de ser a maior fintech do mundo. Além da tecnologia pura, a América Latina se vale da capacidade de imaginar e fazer acontecer. E, se a economia é de problemas, fazemos deles motivo de disrupção.
Vimos, assim, a determinação da Natura ao adquirir a operação brasileira da Avon, a sagacidade dos bancos se digitalizando numa profunda transformação nos seus processos e no relacionamento com seus clientes. Testemunhamos as startups em vibrantes ecossistemas atuando com as gigantes e, no paralelo, em movimentos únicos de expansão. Um exemplo recente é a Grow Mobility, a maior empresa de micro mobilidade da América Latina, junção da Yellow, de São Paulo, e da Grin, do México. Juntas, colocaram em circulação quase 150 mil veículos em seis países, respondendo a um dos maiores desafios da vida moderna – o trânsito. Outro é o Rappi, de Bogotá, um aplicativo móvel de entrega sob demanda que permite aos argentinos, brasileiros, chilenos, mexicanos, peruanos, uruguaios e colombianos a entrega de praticamente tudo o que precisam em casa – de produtos alimentícios a dinheiro.
No Brasil, o Rappi encontrou o iFood, que recentemente avançou para o iFood Shop, oferecendo aos restaurantes suprimentos necessários que podem ser pagos com dinheiro gerado a partir do uso da plataforma. Atende a comerciantes e clientes já com status de superaplicativo. Mais do que agregar serviços, Rappi e iFood trouxeram impacto altamente positivo a um dos maiores problemas da região: o desemprego.
São empresas que entenderam que o latino-americano quer personalização, transparência, fluidez no pagamento, agilidade, conveniência e um mundo mais humano. Têm condições de oferecer isso à região as empresas que contam com diversificado uso de tecnologias, que incorporam a inteligência artificial, data analytics, blockchain, chatbots, omnichannel, as soluções híbridas online/offline para desenvolver modelos de negócio inteligentes, seguindo estratégias baseadas na centralidade de seus clientes e no desenvolvimento de sua força de trabalho. São empresas que formam times diversos, inclusivos, criativos, altamente colaborativos e dispostos a prover experiências. Mais: uma força que se conecta a um ecossistema cada vez mais amplo.
A inovação na América Latina tem características próprias. No Brasil, o robusto sistema financeiro, as grandes redes varejistas, as fintechs e a variedade de startups dão ao País condição privilegiada para a transformação dos segmentos de indústria. Biometria, reconhecimento facial, cyber security, experience design e outras soluções avançadas de tecnologia e conhecimento no sistema financeiro são adotadas hoje pelas instituições com pleno sucesso. Essa fertilidade do solo latino-americano acaba por atrair novidades como Apple Pay e Samsung Pay, que testam no Brasil suas soluções e planejam levá-las para países vizinhos.
México e Colômbia tornam-se cada vez mais reconhecidos pela capacidade de inovar modelos de negócio e de assegurar à população acesso aos sistemas eletrônicos de pagamento. A capacidade da Argentina de desenvolver soluções tecnológicas e user experience, como as que sustentam o Mercado Livre, é inquestionável. No Chile, o sucesso do e-commerce é admirável.
Na América Latina, será inovadora a empresa que colocar no centro da própria transformação o seu cliente e a sua força de trabalho. Novas tecnologias, conhecimento e criatividade devem ser usados em favor de experiências inesquecíveis, que facilitem a vida, a inclusão financeira, a flexibilidade e as possibilidades de escolha.
Dizem que na América Latina brotam problemas. Pois, então, precisamos aproveitar a situação. Na economia dos problemas, a paixão humana, a inteligência e criatividade só nossas se aliarão à tecnologia e, sim, podemos ser protagonistas na criação de inovação que melhore a maneira como vivemos e trabalhamos.
*Leonardo Framil é CEO da Accenture para Brasil e América Latina
Fonte HBR