Onde jogar e como ganhar
Players globais em busca de crescimento de dois dígitos começam a ficar sem oportunidades. Gigantes dos mercados emergentes, como Brasil, Rússia e China, experimentam desaceleração econômica. Estão cada vez mais caros como base para operações. Está mais difícil importar e exportar para esses países.Como resultado, as multinacionais começam a prestar mais atenção aos países de baixa renda e de alto risco, tanto como novos mercados de venda de bens e serviços quanto como plataformas de exportação para outros países.
Essas “economias de fronteira”, como as chamamos, podem não parecer terreno promissor. São caracterizadas por mercados politicamente manipulados, sistemas jurídicos fracos e baixa renda per capita ou PIB vacilante. No entanto, dos 25 países com previsão de crescimento mais rápido nos próximos cinco anos, 19 são economias de fronteira. Entre eles estão Myanmar, Moçambique, Vietnã e Ruanda. Muitos são o lar das maiores fontes inexploradas de minerais e metais. Apesar dos atuais preços das commodities, o investimento global no desenvolvimento desses recursos continuará a aumentar a renda e o crescimento. Isso é importante porque significa que o crescimento nas economias de fronteira depende relativamente pouco das tendências da economia global. Aqueles que se movem na frente podem obter melhores retornos sobre os investimentos estrangeiros do que o risco-país, por vezes alarmante, pode sugerir.
Alguns desses riscos são exagerados, como muitas empresas têm descoberto. Muitas distorções de mercado geradas por políticas nas economias de fronteira são limitadas a setores caracterizados por imensos investimentos de capital, como a extração de recursos naturais ou infraestrutura. Em contrapartida, os setores que envolvem montantes relativamente menores (como o trabalho de valor agregado em recursos) tendem a atrair menos interesse político. Há margem para concorrer no valor e nos setores subdesenvolvidos em rápido crescimento. Por exemplo, a Tiffany & Company realizou com sucesso operações de polimento de diamantes no Camboja, em Botswana, em Maurício e no Vietnã, além de operações na Bélgica.
Mesmo em indústrias cuja concorrência é distorcida pela manipulação do governo, os players estrangeiros que visam os setores certos com as estratégias certas podem prosperar. Na verdade, as empresas que operam em economias de fronteira geralmente encontram concorrência significativamente menor do que enfrentariam nos Brics ou nos Tigres Asiáticos e, portanto, têm mais chances de desfrutar de maiores margens de lucro por períodos mais longos.
Nas páginas seguintes, oferecemos uma estrutura para ajudá-lo a descobrir quando e onde jogar e como ganhar nos espaços em que você escolher competir.
Mapeamento das oportunidades
O primeiro passo para identificar oportunidades em uma economia de fronteira é avaliar o ambiente competitivo das indústrias em duas dimensões: (1) o grau em que a lucratividade é determinada pela competição entre empresas, e não por políticas e ações governamentais, e (2) se o setor está focado principalmente em vendas domésticas ou em exportações. As indústrias devem ser classificadas em quatro categorias.
Fornecedoras locais. Nessa categoria, as empresas vendem para clientes domésticos e competem entre si usando estratégias comerciais normais, buscando vantagem competitiva através da diferenciação de produtos, da eficiência operacional, do marketing e do desenvolvimento de recursos humanos. Exemplos dessa categoria incluem fabricantes locais (produtores de móveis e engarrafadores de água), prestadores de serviços (pequenas empresas de construção, motoristas de táxi), varejistas (mercearias, farmácias) e pequenas fazendas que atendem ao mercado local. Na maioria das economias de fronteira, esse tipo de empresa emprega a maior parte da força de trabalho. Um exemplo de organização estrangeira que opera nesta categoria é a Unilever, que produz detergente e vende para consumidores locais em países africanos.
Formadoras de cluster. Empresas desta categoria competem entre si em negócios de exportação, muitas vezes como parceiros de grandes corporações estrangeiras na cadeia de suprimentos para mercados desenvolvidos. Essas organizações tipicamente se situam em torno de grandes corporações estrangeiras na cadeia de suprimentos para aproveitar os baixos custos de produção, a disponibilidade de mão de obra qualificada ou barata e outros insumos, presença de múltiplos e sofisticados fornecedores e demanda do mercado local. Porque este grupo de empresas de exportação compete em preço e qualidade, ele se beneficia de leis e regulamentações amigáveis e requere instituições assegurem a execução dos contratos. Os players típicos incluem fabricantes de eletrônica e vestuário e fornecedores internacionais de serviços, como linhas de transporte e call centers. A fabricação de roupa da Gap em Myanmar se enquadra nesta categoria.
Influenciadoras. Organizações desta categoria atendem ao mercado doméstico, como as fornecedoras locais, mas operam em setores nos quais a influência política tem papel importante. Players típicos incluem grandes corporações de telecomunicações, empresas de serviços públicos, fornecedores de infraestrutura, fabricantes de cimento e distribuidores de gasolina. Um exemplo de participante estrangeiro nesse espaço é a Symbion Power, que desenvolve e opera usinas de energia na Tanzânia, no Quênia, em Madagascar e em outros mercados de fronteira. Nos países desenvolvidos, empresas desse tipo costumam ser regulamentadas para promover a concorrência ou proteger os clientes. Nas economias de fronteira, no entanto, a regulação direciona os lucros principalmente para o governo ou para interesses privilegiados.
Concessionárias. Empresas desta categoria são orientadas para a exportação, mas os termos de operação, como impostos, royalties e outras obrigações, são definidos em contratos com o governo. Muitas delas são grandes e incluem petróleo, gás, minerais e outros extratores de recursos. A aplicação de regulamentos e acordos nesta categoria costuma ser fraca, o que frequentemente resulta em problemas ambientais e de segurança. Os lucros são uma função da linha de fundo (quão barato as empresas podem realizar operações), mas as receitas são muito afetadas pelo lucro do governo. A gigantesca mina de cobre e ouro da Rio Tinto na Mongólia opera neste espaço.
É importante notar que as indústrias podem cair em diferentes categorias em países distintos. Considere eletrônicos de consumo. A Samsung é um negócio de exportação no Vietnã, mas, no Cazaquistão, grande parte das vendas é doméstica. Também é importante não definir setores de forma excessivamente ampla. Muitas indústrias podem depender de políticas e ações governamentais, por exemplo, mas incluir bolsões significativos de fornecedoras locais. Na indústria petrolífera, os extratores negociam termos de concessão com os governos e assumem o risco de expropriação, enquanto as corporações de serviços petrolíferos competem por negócios das grandes empresas petrolíferas por meio dos canais habituais.
Depois de concluir a categorização da indústria, você deve segmentar adequadamente o PIB da economia de fronteira. Isso lhe permite ver como se organiza a economia do país, quais são os interesses locais dominantes e a escala de oportunidades (o quadro “Mapeamento das fronteiras” mostra como duas economias fronteiriças muito diferentes se unem).
O exercício de mapeamento de indústrias para as quatro categorias não só revela onde estão as melhores oportunidades, mas também ajuda a identificar a estratégia mais adequada para alcançá-las. Cada categoria está associada a determinada estratégia dominante e exposta a riscos distintos. Vamos começar olhando para as estratégias e os riscos envolvidos no setor de empresas de trabalho.
Estratégias para fornecedoras locais
Todas as fornecedoras locais bem-sucedidas se assemelham: adaptam e alavancam as capacidades existentes e ajustam as estratégias de marketing e a distribuição para refletir os gostos e as restrições locais. Grandes multinacionais podem esperar superar os concorrentes locais, mas isso está longe de ser regra. As organizações nacionais conhecem intimamente as condições do mercado, por isso desenvolveram relacionamentos com as partes interessadas necessárias para ter sucesso (para um exemplo de um forte concorrente local, ver quadro “A competição pode ser mais dura do que se imagina”.)
Para concorrentes estrangeiros, competir com empresas locais fortes exige frequentemente alguma inovação disruptiva que desafia o modelo dominante do negócio no país alvo e pode exigir a redefinição do produto ou do serviço do concorrente. É o caso da Unilever. Os supermercados e as lojas de varejo modernas — elementos-chave de sua cadeia de abastecimento típica — atendem apenas a uma pequena fração do comércio dos mercados de fronteira da África. Os consumidores por lá ganham menos de US$ 2 por dia, por isso compram dentifrício, óleo de cozinha e saquinhos de detergente diariamente em lojas da comunidade. Os comerciantes compram grandes embalagens desses produtos em cidades próximas ou de distribuidores e, então, preparam pacotes sem marca, que vendem a preços extremamente altos por onça ou grama.
Baseando-se na experiência de sua subsidiária Hindustan Lever, na Índia, a Unilever viu uma oportunidade na África de atender os clientes sem a figura do intermediário, produzindo e distribuindo diretamente seus próprios pacotinhos com preço menor. Como fizera na Índia, a Unilever desenvolveu uma rede de vendedores nas áreas rurais, empregando um sistema de distribuição multicamadas com distribuidores regionais encarregados de levar o produto a distribuidores locais, que forneceram treinamento e suprimentos aos vendedores. Embora as margens por unidade fossem baixas por causa dos custos de embalagem e distribuição, havia potencial para um volume enorme. Em outros mercados africanos, a Unilever mudou não só as embalagens, mas também as características dos próprios produtos. Por exemplo, desenvolveu margarina que não requer refrigeração.
Bolsões de fornecedoras locais no espaço de concessionárias ou setores de influenciadoras são bons mercados-alvo para principiantes estrangeiros e podem servir como plataforma para o crescimento futuro. Tomemos o caso da nigeriana Sea Trucks Group. Fundada em 1977 pelo empresário holandês Jacques Roomans, começou como corretora de seguros para companhias de petróleo e gás no delta do Níger. Hoje, a empresa fornece uma vasta gama de produtos e serviços tecnologicamente sofisticados, como o SURF (umbilicais submarinos, linhas de fluxo submarinas e tubos de subida submarinos), infraestruturas e implantação de tubulações rígidas. A Sea Trucks maximiza a participação local da Nigéria no planejamento, engenharia, implantação e entrega de projetos para clientes no país. Roomans, CEO e presidente do grupo, e a equipe sênior continuaram a trabalhar em Lagos enquanto a empresa se tornava global em outros países emergentes e fronteiriços, obtendo contratos na Malásia, Angola, Gana, Brasil, Rússia e México.
Estratégias para clusters de exportação
Muitas empresas usam fornecedores em economias de fronteira ou criam suas próprias instalações de fabricação por lá, dada a disponibilidade de mão de obra barata. Em algumas economias de fronteira, no entanto, os abusos são generalizados e os governos locais nem sempre tomam medidas para corrigi-los por medo de perder oportunidades de exportação. No entanto, os consumidores do mundo desenvolvido são cada vez mais sensíveis às condições de trabalho, aos danos ambientais e à opressão governamental nas economias de fronteira. Esse comportamento pode transformar o quadro econômico.
Em 2001, mais de metade dos US$ 850 milhões das exportações de vestuário de Myanmar foi para os Estados Unidos. Mas, em resposta ao ativismo de base e aos boicotes contra o regime autoritário de Myanmar, seguido do embargo dos Estados Unidos de 2003 sobre as importações do país, as empresas de vestuário americanas saíram do país asiático e suas exportações caíram. Naturalmente, com o lançamento de Aung San Suu Kyi, em 2010, investidores, multinacionais (incluindo a gigante americana Gap) e agências de desenvolvimento começaram a fazer fila novamente em Myanmar.
Se as empresas pretendem manter presença manufatureira duradoura nas economias de fronteira, as estratégias devem ser mais do que apenas acessar a mão de obra barata. As empresas devem atuar como formadoras de cluster. Cada vez mais as empresas reconhecem as sinergias de longo prazo (em termos de competências laborais, densidade de fornecedores e apoio regulamentar), algo que pode acontecer quando muitas empresas da mesma indústria de exportação se colocam numa economia de fronteira. Os clusters também ajudam a desbloquear restrições legais nos mercados desenvolvidos que servem e agem como um imã para o investimento em ajuda e desenvolvimento.
A Tamale Fruit Company (ITFC) é a mais importante empresa integrada de cultivadores externos da região pobre do norte de Gana. Ela exporta mangas orgânicas direto para o mercado europeu. A ITFC tem sua própria fazenda comercial de 400 hectares, administrada profissionalmente, mas também trabalha com mais de 1.200 pequenos agricultores da área circundante (os “cultivadores externos”). Em troca de empréstimos sem juros em espécie e treinamento extensivo, os pequenos proprietários concordam em cultivar mangas em um ou dois hectares em duas de suas terras usando técnicas orgânicas para vendê-las pelos canais de comercialização da ITFC. Os rendimentos são usados para reembolsar os empréstimos. Ao alimentar esse grupo de agricultores, a empresa pode operar em maior escala sem o tedioso e incerto processo de montagem de área cultivada em uma região cujo uso de terras é comunal e de acordo com o cacique.
Os esforços da ITFC, que levaram ao transformador crescimento da renda dos agricultores locais, atraíram a atenção de agências de desenvolvimento como o African Development Bank e a Millennium Challenge Corporation, do governo dos Estados Unidos, bem como o governo de Gana. Essas organizações deram um passo à frente para reforçar e expandir o esquema de clusters e financiar melhorias nas estradas rurais.
A construção de clusters em economias de fronteira se verifica também em indústrias de alta tecnologia. A Socialatom Ventures, empresa de capital de risco com sede nos Estados Unidos, investe em startups que vendem serviços pelo mundo usando talentos latino-americanos. Em Medellín, na
Colômbia, fez parceria com a Ruta N, corporação pública encarregada de promover a inovação na cidade, para desenvolver um cluster local de startups e programadores. A Socialatom se associou também com universidades locais para melhorar os currículos de engenharia. E, através de sua fundação sem fins lucrativos Coderise, organiza acampamentos de design thinking e desenvolvimento de habilidades de codificação para crianças de áreas desfavorecidas.
Estratégias para influenciadoras e concessionárias
Estabelecer e proteger interesses em setores concessionárias ou influenciadoras, em geral, é mais difícil do que operar em um espaço de empresas de trabalho ou clusters de exportação. Em muitos casos, projetos desses tipos de empresa assumem identidades muito públicas que trazem riscos políticos significativos.
A chamada Guerra da Água da Bolívia é um exemplo disso. Em 1999, o governo boliviano privatizou a Semapa, empresa estatal de água em Cochabamba. A Aguas del Tunari, joint venture entre a Bechtel, a Edison e a empresa espanhola de energia Abengoa, foi premiada com o contrato de renovação da provisão de água na cidade de médio porte. (Aproximadamente 40% da população não dispunha de água potável. Os usuários de baixo consumo, relativamente pobres, pagavam mais por metro cúbico do que os ricos, que consumiam mais. Os menos abastados, sem nenhuma conexão com o sistema, tinham de comprar água de caminhões-tanque a preços exorbitantes.) A Aguas del Tunari rapidamente expandiu o suprimento de água para 30% a mais da população. Para ajudar a empresa a pagar por essa e futuras melhorias, o governo permitiu um aumento das tarifas de água de 35% em janeiro de 2000. Organizações não governamentais (ONGs) e grupos sociais locais condenaram imediatamente a subida do preço, que classificaram como abusiva, e milhares de pessoas saíram às ruas de Cochabamba para exigir que o governo cancelasse a concessão. Em abril, o governo cedeu, reduzindo os aumentos de preços e, algum tempo depois, revogando o contrato.
Empresas estrangeiras podem reduzir esse tipo de risco aumentando e diversificando as partes interessadas no seu sucesso. Uma maneira de fazer isso é criar bolsões de empresas de trabalho por meio de programas de responsabilidade social corporativa (RSC). Tomemos o caso da gigante mineira BHP Billiton (BHPB), que fez um investimento maciço em Moçambique com seu projeto de fundição de alumínio. Em 2001, em colaboração com o governo moçambicano e a International Finance Corporation, a BHPB criou o Small and Medium Enterprise Empowerment and Linkages Program. O programa deu aos empreiteiros locais as habilidades necessárias para competir por contratos com a BHPB e treinou seus trabalhadores. Isso estimulou o desenvolvimento de empresas locais de engenharia e divulgou as melhores práticas em compras, manuseio de materiais e serviços de engenharia. A BHPB começou a oferecer às grandes organizações locais diversas iniciativas em sua cadeia de valor, trazendo enormes benefícios para a comunidade.
É importante que as empresas estrangeiras percebam que quando se envolvem com os stakeholders, o compromisso deve ser de longo prazo.
Como alternativa ao envolvimento com múltiplas stakeholders, as empresas podem se tornar indispensáveis a poderosos atores locais de várias maneiras, até mesmo àqueles que são removidos do core business. A Sherritt adotou essa abordagem em Cuba. A empresa exigiu um tipo específico de minério para sua refinaria em Alberta e, em 1994, optou por desenvolver uma mina em Cuba. Para proteger sua posição, a Sherritt estabeleceu uma joint venture com o governo cubano, compartilhando a propriedade da mina cubana e da refinaria canadense. Além disso, comprometeu-se a treinar trabalhadores e ajudar o governo cubano a elaborar uma lei de investimento estrangeiro.
Poucos anos depois que as operações da mina começaram, o governo, sem dinheiro e sem acesso aos mercados internacionais, pediu a Sherritt que o ajudasse a encontrar financiamento para desenvolver alguns campos abandonados de petróleo em Cuba. A Sherritt emitiu um título em Toronto e investiu em uma nova joint venture com o governo cubano. Juntos criaram outras joint ventures para produzir energia para a cidade turística de Varadero e para operar um hotel, uma empresa de telefonia móvel e uma usina de processamento de soja. A boa relação da Sherritt com o governo, sem mencionar sua capacidade de fornecer-lhe a tão necessária moeda forte, transformou-a num player estável e lucrativo em Cuba desde 1994.
Muitos analistas veem o ambiente atual de taxas de juros crescentes e preços de commodities mais baixos como uma razão para ficar longe de economias de fronteira. Mas seguir este conselho pode levar aos mesmos arrependimentos de muitas multinacionais que saíram dos mercados emergentes depois da crise financeira asiática de 1998: perderam uma década e meia de grandes retornos. Considerando que os mercados de ações não são suficientemente profundos para a maioria dos investidores ter exposição às economias de fronteira, os investimentos nesses locais serão necessariamente diretos e de ponta a ponta e podem exigir uma década ou mais para completar a tese de investimento. A paciência, a análise cuidadosa do potencial de crescimento de longo prazo e a escolha apropriada da estratégia recompensarão as empresas que hoje decidem se posicionar nas economias de fronteira.
Por Aldo Musacchio e Eric Werker, HBR