Em 2010, Gabriela Cowperthwaite leu uma reportagem que mudou sua vida. O artigo relatava como uma orca tinha matado o treinador durante um show no SeaWorld, em Orlando. Cowperthwaite, que é diretora de cinema em Los Angeles e gostava de levar seus filhos gêmeos para ver as orcas no SeaWorld de San Diego, passou os dois anos seguintes produzindo um documentário investigativo, Blackfish, que mostrava como o tratamento das orcas nos parques temáticos feriam tanto os animais como os treinadores. A produção do filme custou apenas US$ 76 mil, mas ele logo viralizou, chamando a atenção de celebridades e grupos de defesa dos direitos dos animais. A pressão pública sobre o SeaWorld aumentou drasticamente. As corporações suspenderam os patrocínios, as agências reguladoras abriram investigações sobre as práticas de segurança dos parques e os legisladores propuseram proibir a criação de orcas em cativeiro. Dezoito meses depois do lançamento de Blackfish, o valor das ações do SeaWorld tinha despencado 60%, e o CEO Jim Atchison anunciou que estava renunciando ao cargo. Em 2018, as ações da SeaWorld ainda não se recuperaram — tudo porque uma mulher leu uma estória sobre orcas e fez um filme de baixo orçamento.
Até recentemente, era fácil entender o risco político. Geralmente envolvia ditadores que, sem mais nem menos, confiscavam ativos estrangeiros em prol de seus próprios programas internos, como fez Hugo Chavez, da Venezuela. Atualmente, os líderes expropriadores não são tão comuns como no passado. E embora os governos nacionais ainda sejam os principais árbitros do ambiente empresarial, atualmente, boa parte do risco político em todos os países é atribuída a outros atores: pessoas portando telefones celulares, agentes públicos locais criando leis municipais, terroristas detonando caminhões-bomba, funcionários das Nações Unidas impondo sansões, e muito mais. Eventos em locais remotos afetam os negócios pelo mundo todo a uma velocidade vertiginosa. Protestos antissionistas no Vietnã provocaram o desaparecimento dos estoques de roupas nos Estados Unidos. A guerra civil na Síria alimenta a crise de refugiados e os ataques terroristas na Europa, abalam a indústria do turismo. O ditador norte-coreano promoveu um ataque cibernético a um estúdio de cinema de Hollywood. Vivemos numa nova era de risco político.
Para as empresas, o risco político no século 21 é essencialmente a probabilidade de que uma ação política possa afetar significativamente seus negócios — positiva ou negativamente. Esta definição é mais radical que parece. Escolhemos o termo “ação política”, e não “ação governamental”, para destacar o papel crescente dos geradores de risco fora de lugares comuns como capitais, quartéis e sede de partidos políticos. Nos dias atuais, as atividades políticas que afetam os negócios estão ocorrendo por quase toda parte — dentro das casas, nas ruas, na nuvem, nas salas de bate-papo, nos alojamentos e nas reuniões de conselho, nos bares da vizinhança e nos enfoques das reuniões de cúpula. As empresas que buscam vantagem competitiva precisam administrar o impacto potencial desse conjunto cada vez maior de atores políticos globais.
Se considerados isoladamente, muitos riscos políticos do século 21 são, aparentemente, eventos de baixa probabilidade. Se você é americano, a chance de ser morto por um terrorista estrangeiro é cerca de uma em 45 mil — muito mais remota que sua probabilidade de morrer vítima de uma onda de calor ou de uma intoxicação alimentar. Ao contrário de Blackfish, a maioria dos documentários sobre ativismo social não se tornam sensações virais. No entanto, o risco acumulativo é uma questão diferente, ele é fácil de ser subestimado. Embora a probabilidade de um único risco político afetar os negócios de uma empresa, numa determinada cidade, amanhã, possa ser baixa, a probabilidade de, com o decorrer do tempo, algum risco político, em algum lugar do mundo, afetar significativamente os negócios é surpreendentemente alta. Se você juntar uma sequência de eventos raros, verá que a ocorrência geral, afinal, não é tão rara.
A boa notícia é que, embora o risco político tenha se tornado mais complexo, administrá-lo eficazmente ainda continua sendo bastante fácil. As organizações podem avançar fazendo o básico corretamente. Com base nas melhores práticas existentes e aproveitando nossa própria experiência em liderança e pesquisa, identificamos quatro competências centrais de organizações que se destacam na gestão do risco — e uma série de perguntas que ajudam os executivos a identificar gaps nas capacidades de operação de suas organizações na era de uma crescente insegurança global.
As novas forças por trás do risco político
Três megatendências estão transformando o cenário do risco político: mudanças radicais na política desde o fim da Guerra Fria, inovações na cadeia de suprimentose a revolução tecnológica.
Política. Atualmente, as empresas estão operando no ambiente político internacional mais complicado da história moderna. Durante a Guerra Fria, a rivalidade entre as superpotências, Estados Unidos e União Soviética, impôs linhas divisórias relativamente claras entre adversários e aliados. As políticas comerciais e as políticas de segurança também foram nitidamente delineadas. O mundo estava claramente dividido entre os mercados capitalistas do Ocidente e as economias centralizadas do bloco soviético. Tratados sobre controle de armas envolveram os soviéticos, mas as negociações comerciais globais, não. O cenário atual é muito mais cheio e incerto — com países em ascensão, países em queda, países fracassados, países proscritos e atores independentes, como grupos terroristas e criminosos cibernéticos. E a segurança não se preocupa mais só com segurança. Questões econômicas internacionais estão, muitas vezes, intimamente relacionadas com a política e com a política de segurança.
Quando Rice foi secretária de Estado, ela assistiu com pesar quando a Dubai Ports World, uma empresa de gestão portuária vencedora de prêmios pertencente ao governo dos Emirados Árabes Unidos (EAU), foi forçada a transferir os direitos de suas operações no terminal de embarque instalado nos EUA para uma entidade americana após uma reação violenta do público. Embora os EAU fossem um aliado fiel dos EUA e uma investigação completa feita pelo governo dos Estados Unidos não tenha encontrado problemas de segurança no negócio, quando os americanos ouviram as palavras “árabes” e “portos”, logo depois do traumático 11/09, foi o suficiente para tornar as operações da Dubai Ports World nos EUA insustentáveis — mesmo numa das economias pró-mercado mais sólidas do mundo.
Cadeias de suprimento. A crescente eficiência das cadeias de suprimento está gerando um enorme valor para as empresas. Mesmo pequenos negócios agora podem se beneficiar com os salários mais baixos no exterior, custos menores de transporte e melhor gerenciamento do estoque. Mas a revolução da cadeia de suprimentos tem um lado negro: cadeias de suprimento globais mais longas e mais enxutas deixam as empresas mais vulneráveis à disrupção em locais remotos.
Tecnologia. As mídias sociais, celulares e a internet também estão transformando o ambiente político do século 21. Aproximadamente 48% do mundo está conectado. Estima-se que, por volta de 2020, haja no mundo mais pessoas com celulares que com água potável ou eletricidade. A tecnologia está permitindo que pessoas com as mesmas ideias se encontrem e se unam em torno de uma causa comum, mais facilmente, mesmo a grandes distâncias. Além disso, o ativismo social não trabalha mais somente pelo ativismo social. Num mundo hiperconectado, qualquer pessoa pode postar vídeos em seus celulares que se tornam virais. Em 9 de abril de 2017, depois que a United Airlines vendeu mais passagens que os assentos disponíveis num voo para Louisville, Kentucky, a empresa aérea decidiu retirar quatro passageiros do avião. Um deles, David Dao, se recusou a desembarcar. Os passageiros gravaram um vídeo de Dao enquanto ele era violentamente arrastado de seu assento e postaram a gravação no Twittter e no Facebook. Dois dias depois, as ações da United tinham sofrido uma queda de US$ 255 milhões em valor para os acionistas, e os analistas começaram a se preocupar com os desdobramentos para a empresa aérea no mercado chinês, onde comentaristas sobre mídias sociais compartilharam a visão de que Dao havia sofrido discriminação por ser asiático.
A estrutura do risco político
Qual a melhor forma de as empresas administrarem o risco político nesse ambiente? Algumas contratam consultores para fornecer análises e conselhos quando precisam. Outras confiam amplamente nas seus próprios departamentos. Muitas utilizam uma abordagem híbrida. Embora nenhum modelo único se ajuste a todas, desenvolvemos uma estrutura suficientemente ampla que pode ser aplicada pela maioria das empresas, mas que sugere ações específicas. A estrutura foca em quatro competências: entender os riscos, analisar os riscos, mitigar os riscos que não podem ser eliminados e pôr em prática uma capacidade de resposta que permita uma gestão efetiva da crise e uma aprendizagem contínua.
Em cada passo da estrutura, são apresentadas três perguntas primordiais que qualquer pessoa em qualquer organização pode fazer para abordar as questões mais importantes.
1º Passo: Entender
Qual o apetite para o risco político de minha organização?
Empresas, assim como pessoas, abordam o risco de formas diferentes. Os fatores que influenciam seu apetite incluem o horizonte de tempo dos grandes investimentos, a disponibilidade de investimentos alternativos, o conforto dos investimentos existentes e a visibilidade perante os clientes. Empresas da indústria extrativa como petróleo e gás, por exemplo, assumem investimentos de longo prazo em países distantes, muitos dos quais são governados por regimes autocráticos e propensos à agitação social. Além disso, os ativos mais importantes dessas empresas não podem ser movimentados facilmente. Por todas essas razões as empresas de petróleo e gás precisam estar dispostas a tolerar uma substancial incerteza política. Por outro lado, setores voltado para o cliente, como cadeias de hotéis e parques temáticos, são particularmente susceptíveis a danos de reputação e, como resultado, normalmente têm um menor apetite ao risco.
Existe uma compreensão compartilhada sobre nosso apetite ao risco?
As melhores empresas garantem que o risco político é uma preocupação de todos, desde a sala do conselho até os vendedores da base. Obviamente, nem todos numa organização têm a mesma opinião sobre o risco. Advogados e contadores abordam o risco de forma diferente dos representantes de vendas e desenvolvedores de produto, e essas diferenças precisam ser bem ordenadas e resolvidas. Na Disney, todos compartilham da mesma ideia de que “nada pode ferir o camundongo”. Na Disney o nível de apetite ao risco político é praticamente zero.
Em 2006, o grupo Lego desenvolveu uma competência estratégica para gestão de risco que ajudou a alinhar as opiniões sobre o tema em toda a empresa. O esforço foi liderado por Hans Læssøe, engenheiro veterano, há 25 anos na empresa que se intitulava o “profissional paranoico da Lego”. Ele criou processos sistemáticos para treinar todos os novos gestores sobre o risco, envolvendo os líderes importantes — incluindo os membros do conselho — para estabelecer o apetite ao risco, identificando riscos e integrando sua avaliação e mitigação no planejamento do negócio. A equipe de Læssøe até desenvolveu uma métrica, o “ganho líquido com o risco”, que a gestão e o conselho utilizavam para estimar anualmente a exposição da empresa ao risco.
Como reduzir os pontos cegos?
Para reduzir os pontos cegos é preciso imaginação. Como disse um grande investidor, “o maior erro é acreditar que o futuro será igual ao presente. Isso quase nunca acontece”. A empresa dele ensina todos seus sócios a fazer uma pergunta simples, repetidamente: e se estivermos errados? Planejamento de cenário, exercícios de jogos de guerra e outros métodos também podem ajudar as empresas a identificar riscos ocultos. Embora as ferramentas variem, o objetivo é o mesmo: estimular o pensamento criativo e se proteger do pensamento do grupo, único.
2º Passo: Analisar
Como obter boas informações sobre os riscos políticos que enfrentamos?
Pode parecer óbvio, mas você precisa procurar para encontrar a boa informação. Normalmente as empresas não se preocupam com isso. Quando Jack Welch, legendário CEO da General Electric, tentou adquirir a Honeywell International, em 2001, a fusão foi submetida à avaliação do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, e Welch supôs que, em seguida, haveria a aprovação da União Europeia. Não foi bem assim. Os reguladores europeus não seguiam a mesma filosofia sobre questões antitruste que suas contrapartes americanas. Os europeus focam no potencial impacto nos competidores e não nos clientes. E embora os reguladores europeus nunca tivessem rejeitado uma grande fusão americana antes, eles tinham chegado perto, quase abandonando a fusão da Boeing e McDonnel Douglas somente quatro anos antes. Mas Welch e o CEO da Honeywell, Michael Bonsignore, estavam tão ansiosos por fechar o negócio que, provavelmente, nunca consultaram seus advogados europeus antitruste, em Bruxelas. Quando ficou claro que a fusão estava morta, Welch declarou, “nunca se é velho demais para se surpreender”.
Como garantir uma análise rigorosa?
Richard Feynman, um dos maiores físicos do mundo, disse, certa vez, que a análise é a forma como tentamos não nos enganar. Ninguém pode prever o futuro, mas uma boa análise de risco desafia as hipóteses e os modelos mentais sobre seus possíveis desdobramentos para as organizações poderem se preparar melhor.
Uma forma conveniente de começar é saber quais ativos são mais valiosos e quais são mais vulneráveis. Quanto mais essas listas convergirem, mais alto o risco político da empresa. A reação violenta contra o SeaWorld foi particularmente prejudicial porque as orcas treinadas eram muito importantes para a marca da empresa.
É impossível quantificar com precisão a vulnerabilidade. Mas isso não significa que os gestores não podem reduzir a incerteza. Várias ferramentas — de equipes vermelhas (que assumem papéis ou pontos de vistas contrários) a simulações por computador do
método de Monte Carlo (que projeta a faixa e as probabilidades dos resultados) — podem ajudar. O objetivo é desenvolver formas de entender os principais fatores e possibilidades para que as surpresas não sejam tão surpreendentes.
A FedEx é um modelo eficiente de gestão de risco. Como disse a empresa certa vez, “talvez não possamos prever qual será o problema que nosso próximo motorista de caminhão enfrentará na Europa, mas sabemos que atrasos em terra ocorrerão em algum ponto e, quando isso acontecer, nossos planos alternativos estarão prontos para entrar em ação”. A equipe de risco da Marriott não sabe exatamente quando ou onde será o próximo ataque terrorista. Seu sistema é projetado para aumentar a prevenção e a segurança — notificando os gerentes do hotel sobre mudanças de condições que possam representar uma ameaça, atribuindo tarefas específicas para cada nível de ameaça e auditando as normas de compliance para garantir que todos saibam o que fazer.
Como integrar a análise de risco político com as decisões de negócios?
Em 2016, uma pesquisa global realizada pela McKinsey mostrou que somente 25% dos executivos incluem análise de risco num processo formal. O método mais popular de tratar o risco geoestratégico é simplesmente realizar análises ad hoc à medida que os eventos surgem. A Logo tem uma abordagem melhor, chamada “identificando o barco” — ficar de olho nos potenciais riscos e oportunidades para não “perder o barco”. A empresa utilizou várias ferramentas de avaliação de risco, incluindo análises de dados de pesquisas da Google Trends e análises de planejamento de cenários. Mas ela também sabe que mais importante que a abordagem é a intenção: simplesmente fazer os gestores utilizarem análises rigorosas de risco político — de qualquer tipo — para defender os investimentos pode melhorar significativamente a tomada de decisão.
3º Passo: Mitigar
Como reduzir a exposição aos riscos políticos que identificamos?
Em geral, três estratégias são sempre úteis: dispersar ativos importantes (coloquialmente: não coloque todos os ovos numa cesta só), criar uma explosão de capacidades e um arrefecimento da cadeia de suprimentos e trabalhar com outras empresas do setor para compartilhar avaliações de risco político e estratégias de mitigação. A última abordagem, que talvez seja a mais subestimada, foi adotada no setor de hospitalidade. Em 2005, homens-bomba atacaram simultaneamente unidades do Hyatt, Radisson e Day Inn em Amã, na Jordânia. Depois dos bombardeios, o vice-presidente de segurança da Marriott, Alan Orlob, formou um grupo de trabalho de segurança do hotel com concorrentes para partilhar informação e as melhores práticas — com o patrocínio do Conselho Consultivo de Segurança no Exterior do Departamento de Estado.
Dispomos de um sistema confiável e de uma equipe pronta para alertar previamente e agir imediatamente?
As empresas que administram o risco político com eficiência não esperam sentadas pelos consultores do governo ou pelos relatórios trimestrais do setor. Para desenvolver uma melhor consciência situacional, elas criam sistemas de alerta eficientes que vasculham continuamente uma larga faixa de fontes em busca de informação. Elas também estabelecem protocolos para que respostas a condições específicas sejam disparadas automaticamente. Esses protocolos mostram que medidas devem ser tomadas e por quem. A ideia é reduzir a tomada de decisão enquanto ela está ocorrendo.
As empresas que estão na linha de frente da gestão global do risco político muitas vezes criam unidades de avaliação de riscos internamente, com profissionais com experiência anterior em inteligência e aplicação da lei que monitoram os desenvolvimentos políticos em tempo real. A equipe do Royal Caribbean International é liderada por um veterano, com 25 anos de experiência no FBI. Orlob trabalhou durante 24 anos nas Forças Especiais do Exército dos Estados Unidos. A equipe da Chevron, formada por oito especialistas em risco global, concentra, no conjunto, uma experiência de 92 anos em serviços de segurança no governo. Essas e outras empresas com as melhores práticas sabem que dispor de equipes para identificar riscos e desenvolver um sistema de alerta pode fazer toda a diferença.
Como limitar o dano ao enfrentar uma crise?
Os gestores podem tomar medidas para minimizar potenciais prejuízos muito antes de a crise surgir. As relações com os stakeholders externos, por exemplo, são críticas durante a crise — mas para formá-las leva tempo. O ex-secretário de Estado George Shultz frequentemente compara a boa diplomacia à jardinagem — você precisa cultivar relacionamentos com as contrapartes antes de pedir que elas façam alguma coisa difícil em seu nome. O mesmo vale para os negócios.
4º Passo: Responder
Você está aprendendo com os erros?
Todas as organizações procuram aprender com os fracassos. Poucas tentam aprender com eventos que poderiam ter acabado mal, mas não acabaram porque elas tiveram sorte. Os líderes precisam reconhecer e corrigir a tendência humana de atribuir o “escapar por um triz” à resiliência de um sistema, quando existe exatamente a mesma probabilidade de quase ocorrer um acidente devido a uma vulnerabilidade do sistema. A tragédia do ônibus espacial Challenger é um exemplo clássico: uma erosão perigosa num anel especial de vedação já havia ocorrido em voos anteriores do ônibus, mas nunca chegou a ocorrer uma falha completa na vedação, o que levou os executivos da Nasa a acreditar erroneamente que não haveria probabilidade de falha.
Estamos reagindo eficientemente à crise?
A boa gestão da crise pode ser dividida em cinco passos: avaliar a situação, acionar uma equipe de resposta, liderar com valores, contar sua história (honestamente) e não pôr mais lenha na fogueira. As crises geralmente envolvem vários públicos — consumidores, investidores, jornalistas, ativistas, autoridades, reguladores federais e agentes de fiscalização, para citar apenas alguns. Cada público pode interferir nos demais, gerando novos riscos e piorando a situação. É essencial administrar a dinâmica entre as partes interessadas.
Logo depois que Rice começou a trabalhar como conselheira de segurança nacional do presidente George W. Bush, um jato de combate chinês colidiu com um avião americano de vigilância do espaço aéreo internacional. O piloto chinês morreu e o avião americano teve de fazer um pouso de emergência na China. Os membros da tripulação foram detidos enquanto os dois governos negociavam os termos da libertação. Para o presidente Bush, os objetivos eram claros: a tripulação tinha de ser liberada. Os Estados Unidos não se desculpariam por vigiar legalmente o espaço aéreo internacional e as boas relações com a China precisavam ser mantidas. Nenhum dos países queria piorar a situação, mas as negociações foram agravadas por vários públicos. O governo americano não podia simplesmente dizer “China, ouça só essa parte”. Rice era membro da equipe encarregada de tratar a crise que se reunia duas vezes por dia para preparar cuidadosamente a resposta. Esse esforço incluiu criar uma estratégia para as comunicações que deveria mostrar que os governos estavam discutindo o problema, mas que não aumentaria as tensões com cada nova declaração. No final a tripulação foi solta e os chineses receberam do embaixador dos Estados Unidos na China, Joseph Prueher, uma carta expressando pesar pela morte do piloto sem se desculpar pelo incidente.
Estamos desenvolvendo mecanismos para aprendizagem contínua?
Os melhores sistemas de resposta à crise criam loops de feedback para aprender antes que o desastre ocorra, tentando evitar a crise e melhorando a resposta quando necessário. Poucas empresas levam essa questão a sério. Na verdade, pode ser surpreendente, mas as organizações com melhor aprendizagem contínua que conhecemos são as equipes de elite do futebol americano. No futebol os erros são constantes e o sucesso e o fracasso são óbvios. Os treinadores de grandes equipes estudam tanto as vitórias como as derrotas, analisando todas as jogadas. Eles assistem aos vídeos dos jogos, fazem ajustes durante o jogo e reformulam a escalação para obter as melhores combinações.
Jim Harbaugh — que foi treinador da equipe da Stanford e dos 49ers de San Francisco, e atualmente está na University of Michigan — é conhecido por transformar equipes perdedoras em vencedoras em poucas temporadas. Ele costuma dizer “vocês estão melhorando, ou estão piorando. Nunca ninguém continua igual”. No mundo corporativo, os mecanismos para a aprendizagem contínua precisam envolver tanto a cabeça como o coração: avaliar o que deve continuar a ser feito, o que é preciso parar de fazer e o que deve começar a ser feito e usar uma abordagem inspiradora para motivar todos a participar da jornada.
GESTÃO DE RISCO EM AÇÃO: a crise do Royal Caribbean no Haiti
As empresas que utilizam as melhores práticas podem atestar o quanto é importante entender os potenciais riscos políticos e agir proativamente. A Royal Caribbean é um bom exemplo a ser considerado.
Em 12 de janeiro de 2010, um terremoto de magnitude 7,0 atingiu o Haiti, matando aproximadamente 200 mil pessoas. Três dias depois, um navio de cruzeiro da empresa chamado Independence of the Seas, ancorou no porto haitiano de Labadee, permitindo que três mil passageiros nadassem e se aquecessem ao sol numa praia particular a apenas 135 quilômetros da capital, Porto Príncipe, duramente castigada. A reação pública foi violenta. A manchete do New York Post bradava “navio de carniceiros” e o jornal observava que os passageiros estavam passeando de jet-skis e bebericando rum enquanto os haitianos viviam ali perto em barracas improvisadas em condições miseráveis.
A Royal Caribbean enfrentou uma crise política tão dramática quanto a reação violenta contra o Sea-World depois do lançamento de Blackfish. Mas para a empresa de cruzeiros a maré logo virou. Em poucos dias, renomadas agências de notícias publicavam notas destacando que, na verdade, a Royal Caribbean estava atracando a pedido do governo do Haiti e fornecendo a ajuda econômica extremamente necessária. Logo depois, uma pesquisa com 4.700 pessoas realizada pelo website Cruise Critic mostrou que 66% delas concordavam com a decisão da empresa de manter os cruzeiros programados em Labadee.
A forma bem-sucedida com que a Royal Caribbean lidou com a situação foi muito além do esforço de relações públicas da empresa de apresentar argumentos persuasivos bem elaborados em plena crise — isso certamente ajudou. A empresa começou a considerar seriamente a gestão de riscos políticos alguns anos depois do terremoto. E como ela havia desenvolvido fortes competências em lidar com riscos políticos causados pelo homem no Haiti, estava apta também a lidar com desastres naturais.
A empresa de cruzeiros começou a ter negócios no Haiti na década de 1980 quando o país foi assolado por violência política, instabilidade, corrupção e pobreza. O primeiro passo foi descobrir um local em Labadee que — por sua inacessibilidade por estradas — pudesse fornecer um paraíso recluso e isolado. Depois, a Royal Caribbean começou a interagir com os residentes da área criando, por exemplo, um espaço para os comerciantes locais venderem seus produtos aos passageiros que desembarcavam, o que geraria emprego para os moradores do vilarejo. A empresa de cruzeiros também pagava taxas por visitante ao governo e se empenhou em desenvolver relações em nível nacional e internacional com as autoridades haitianas, ONGs, think tanks e organizações das Nações Unidas.
Como resultado, quando em 2010 o terremoto devastou o país, a empresa possuía sólidas reservas de receptividade, confiança e relacionamentos para explorar localmente. Os executivos da empresa consultaram as autoridades do governo e conseguiram seu aval para continuar com as escalas previamente planejadas em Labadee. A Royal Caribbean concordou em contribuir com US$ 1 milhão em ajuda, transportou suprimentos de ajuda humanitária em seus navios, doou todos os lucros das excursões pela costa haitiana para assistência ao terremoto e anunciou parcerias com instituições de caridade renomadas para fornecer assistência adicional. Quando a Royal Caribbean sofreu ataques na imprensa, advogados e especialistas independentes, incluindo ONGs e acadêmicos, a defenderam. O enviado especial do Haiti às Nações Unidas destacou um comunicado à imprensa da empresa em defesa da continuidade de atracação de navios cruzeiros na ilha.
Da mesma forma que a Royal Caribbean não começou a gerenciar o risco político imediatamente depois que o terremoto atingiu a ilha, ela também não parou de fornecer ajuda depois que o furor da imprensa se extinguiu. Seis meses depois do terremoto, a empresa anunciou que estava construindo uma nova escola no Haiti, estabelecendo uma parceria estratégica com três outras empresas para fornecer material para a construção de casas e de infraestrutura básica e lançando uma opção de excursão de “volunturismo” para passageiros que quisessem se engajar em serviços comunitários em terra.
A empresa de cruzeiros ainda enfrenta risco político no Haiti: em 2016 ela teve de afastar temporariamente seus navios quando as eleições presidenciais do país foram adiadas e a reação anti-turismo aumentou. Mas, graças a uma gestão de risco eficiente,o Haiti tem se mostrado um destino valioso para as linhas de cruzeiros por mais de 30 anos.
Sem um sistema de boas práticas, a crise na reputação da Royal Caribbean poderia ter sido bem diferente. A empresa entendeu os riscos políticos que enfrentava no Haiti logo no início, analisou-os e organizou uma série de esforços de mitigação antes de seu próximo navio atracar no litoral do país. Finalmente, o plano de resposta da Royal Caribbean foi bem executado, com clara liderança desde o início. Adam Goldstein, presidente e diretor de operações da empresa, revestiu a crise de humanidade, usando seu blog pessoal para postar frequentes atualizações sobre tudo, desde como a empresa tomou suas decisões até notas de reuniões diárias, respostas a reportagens da mídia e fotos de suprimentos de ajuda humanitária. O porta-voz da empresa continuou postando mensagens, expressando sua empatia e seu comprometimento em contribuir para a recuperação do Haiti. Depois do terremoto, todo o árduo esforço que a Royal Caribbean dedicou à gestão de risco político valeu a pena.
Quando começamos a oferecer um curso sobre risco político há vários anos em Stanford, algumas futuras tendências pareciam claras. Mas nos anos subsequentes, nós duas fomos surpreendidas por eventos políticos. Devíamos ter previsto que a Rússia revanchista desafiaria o status quo territorial no Leste Europeu, mas não que ela pudesse anexar a Crimeia. Esperávamos que houvesse tensão na União Europeia, mas não esperávamos o Brexit. Quem pensaria que Donald Trump seria eleito presidente dos Estados Unidos? Ou que nas Filipinas um ditador como Rodrigo Duterte chegasse ao poder, afastando seu país do Ocidente e aproximando-o da China?
Ninguém pode prever exatamente como a história se desenrolará, mas administrar o risco político não precisa ser apenas uma hipótese. Você não precisa saber exatamente de onde virá o risco para estar preparado para enfrentá-lo. Exatamente como atletas campeões utilizam treinamento e condicionamento para aumentar sua força física, esperamos que os executivos possam aproveitar nosso esquema para criar seus músculos da gestão de risco político.
No final, as organizações mais eficientes têm três grandes pontos em comum: elas levam o risco político a sério, elas o abordam sistematicamente e com humildade e elas o consideram desde o início.
Condoleezza Rice é professora de economia e política da Faculdade de Administração de Stanford, membro sênior da Hoover Institution e professora de ciências políticas da Stanford University. Ela trabalhou como consultora de segurança nacional de 2001 a 2005 e foi a 66ª secretária de Estado dos Estados Unidos de 2005 a 2009.
Amy Zegart é codiretora e membro sênior do Centro de Segurança e Cooperação Internacional da Stanford University, membro sênior da Hoover Institution e ex-consultora de gestão da McKinsey & Company.
Fonte HBR