Terminei recentemente o livro Felicidade S.A., de Alexandre Teixeira (Arquipélago Editorial).
Gostei muito, especialmente da primeira metade, e recomendo a leitura para executivos e executivas que trabalham muito hoje em dia (ou seja, todos), bem como para gestores de RH das empresas, que tem em sua pauta diária temas como motivação, engajamento e cultura organizacional. A seguir, algumas reflexões a partir do texto de Teixeira.
Uma pesquisa recente publicada na Folha de São Paulo indica que 68,5% dos profissionais entrevistados aumentou sua carga de trabalho nos últimos 5 anos: quase 80% são acionados fora do expediente por celular, e-mail e outros devices tecnológicos e mais de 50% admitem responder a e-mails durante as férias. Como contrapartida, mais de 56% avaliam que sua remuneração aumentou o suficiente para compensar as horas adicionais trabalhadas. Ou seja, mais da metade está trocando tempo por dinheiro. De maneira consciente, sem que ninguém os obrigue a isso. Mais dinheiro, maior conectividade. Mas tudo isso com mais criatividade e qualidade?
Hugh Macleod, um dos pensadores citados no livro, afirma que “Encontrar uma pessoa que tenha escrito uma obra-prima no verso de um cardápio de café não me surpreenderia, mas encontrar alguém que escreveu uma obra-prima com uma caneta tinteiro de prata da Cartier em uma escrivaninha de antiquário num loft do SOHO me surpreenderia seriamente”.
A questão da tecnologia merece um destaque especial. Uso mais sábio do tempo, maior produtividade, resolução dos problemas relacionados ao trabalho a qualquer hora e em qualquer lugar. Mas com grandes riscos relacionados a limites saudáveis.
Um estudo citado no livro indica que 83% dos profissionais americanos acessa o e-mail depois do trabalho. Mais de 65% relata levar um device tecnológico – laptop, tablet ou smartphone – nas férias, para não ficar desconectado. E mais de 50% tem o hábito de enviar e-mails durante refeições com a família ou amigos (quem neste ponto veste a carapuça?).
Ou seja, estamos trabalhando o tempo todo. No escritório, em casa, nas refeições com a família e amigos, até no banheiro… A verdade é que a tecnologia é altamente viciante, seja porque nos acostumamos com o estar online o tempo todo, ou porque um chefe que responde a um e-mail no meio da noite ou no final da tarde de domingo está pautando uma dinâmica de comportamento para sua equipe. Com graves consequências a médio prazo em termos de produtividade e até de passivos trabalhistas. A ponto de, na Alemanha, a Volkswagen decidir desligar o Blackberry dos executivos depois do expediente. Para comprovar o ponto, um outro estudo citado no livro, publicado em abril de 2012 pela Universidade de Chicago, revela que muitas pessoas consideram o Facebook, Twitter e e-mail mais difíceis de resistir do que cigarros e álcool…
Importante refletir que, para definir se um hábito é vício ou virtude, precisamos ver se o costume é benéfico para quem o pratica, e também se é natural ou compulsivo, no caso de provocar dependência e/ou ansiedade. Se não desligamos mais do trabalho, podemos, sim, ser mais produtivos e eficientes, mas por quanto tempo? E com que qualidade criativa? Com que crivo ou capacidade analítica? Com qual padrão de entrega?
A diferença entre o tempo biológico, interno, e o tempo social, definido por nossos horários de trabalho e compromissos sociais, gera o que Till Roennenberg chama de jet lag social, uma espécie de exaustão crônica, que não pode ser tratada como o jet lag aéreo, que é agudo, mas transitório.
Se trabalhamos o tempo todo, dormimos pouco, somos sempre exigidos ao limite, que tipo de profissionais seremos a longo prazo? Que tipo de vida pessoal conseguimos ter? E que tipo de exemplo passamos para os nossos filhos?
Como crianças, aprendemos em casa e na escola a separar estudo e diversão. Não por acaso muitos adultos enxergam o trabalho como muita responsabilidade e pouca diversão. Ao mesmo tempo, a grande maioria dos pais chega em casa no final do dia absolutamente esgotada, mal humorada ou com dor de cabeça. A pauta diária é de esforço e sacrifício. A rotina dos pais observada pelos filhos é sempre de desgaste, sofrimento e cansaço. Que tipo de felicidade as crianças podem esperar encontrar no trabalho no futuro a partir destes exemplos diários?
Outro ponto importante é o grau de satisfação que conseguimos obter com o trabalho e com nossas conquistas. Segundo Jonathan Haidt, nos acostumamos em tão pouco tempo com uma nova emoção positiva (uma promoção, um carro novo etc.) que criamos uma busca infinita para manter um padrão de felicidade. Pois são estes pequenos prazeres que nos fazem ter lampejos de felicidade e satisfação. Os prazeres das conquistas se tornam muito voláteis: sonhamos em ser promovidos, em ganhar mais dinheiro, em passar em um concurso importante ou terminar um grande projeto. Alexandre Teixeira escreve sobre o fato de sonharmos acordados e por muito tempo com estes momentos, mas quando eles acontecem, e se tivermos sorte, ganhamos uma hora de celebração, ou no máximo um dia de euforia. Embora em muitos casos, a sensação não seja de euforia, mas de alívio, que ocorre por conta do prazer do fechamento e da entrega. Só que tudo isso dura pouco. E seguimos em busca de um novo boost, de uma nova conquista, uma razão para justificar todo este esforço.
Pablo Neruda disse que “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”. Muitos profissionais começam a trabalhar 13 a 14 horas por dia sem que ninguém tenha pedido isso. Quase sempre, são profissionais eficientes que não sabem dizer não e tendem a transformar em permanentes os desequilíbrios que deveriam ser emergenciais, como um novo projeto, uma crise ou uma mudança ou restruturação organizacional.
O fato é que a separação entre dois mundos – o pessoal e o profissional – é um resquício da era industrial. Mas já não se sustenta nos dias de hoje, com a tecnologia, a era do conhecimento e a globalização. A lógica de 8 horas por dia para o trabalho foi pensada originalmente para operários ou trabalhadores braçais, que, durante o turno estão apertando parafusos ou realizando procedimentos repetitivos. Ao fim da jornada, sequer se lembram de algo relacionado ao trabalho. Inclusive a Ford, na primeira década do século 20, descobriu que o ponto de equilíbrio entre produtividade e horas livres era de 40 horas semanais. Ao aumentar em 20 horas este volume, um pequeno acréscimo de produtividade ocorria, mas durava entre 3 e 4 semanas, até se tornar negativo.
Mas como, então, identificar os limites saudáveis entre esforço e produtividade, entre dedicação e recompensa, entre trabalho e vida pessoal?
É fato que os pressupostos de comando e controle, característicos de organizações com papéis claros entre chefes e empregados, estão sofrendo grandes mudanças. A confusão já começa na nomenclatura que pode mascarar a realidade nas relações profissionais: chefe ou líder? Funcionário ou colaborador? Equipe ou Grupo de trabalho? Os papéis estão mais complexos e difusos, as relações passam a ser matriciais, os resultados de curto e longo prazo criam conflitos. E os profissionais no meio disso tudo, muitas vezes sem saber o que fazer, ou até que ponto jogar o jogo.
O caminho passa por autoconhecimento e pela identificação dos motivadores pessoais.
Queremos ganhar dinheiro? Todos nós precisamos pagar contas. Todos queremos viver bem e construir um patrimônio. Mas a que custo? De todo o nosso tempo e energia?
Queremos status e reconhecimento? De quem? E a que custo para nossa saúde e relações pessoais?
Queremos crescer? Para chegar aonde? E, para chegar lá (onde quer que seja) estamos dispostos a abrir mão do quê?
Novamente, Hugh MacLeod escreve que “O preço de ser uma ovelha é o tédio. O preço de ser um lobo é a solidão. Escolha um ou outro com muito cuidado”.
Devemos prestar muita atenção às nossas escolhas e suas consequências, bem como aos nossos limites, tanto físicos como mentais.
John Bogle escreve sobre os perigos de uma sociedade de resultados, que pode estar focada no objetivo errado: na forma antes da substância, no prestígio antes da virtude, no dinheiro antes da realização, no carisma antes do caráter, no efêmero antes do duradouro.
A verdade é que temos que assumir nosso próprio destino. Não podemos delegar isso a um chefe, a um pai ou a um headhunter. É certo que todos eles podem nos ajudar, mas somos nós os protagonistas responsáveis por nossas escolhas, pelos destinos que queremos traçar.
Ricardo Guimarães, quando entrevistado no livro de Alexandre Teixeira, fala que este é o grande desafio para quem foi educado para ser infeliz no trabalho e feliz na igreja, no futebol e no amor.
E você, onde encontra sua felicidade?