Cerca de 2.300 períodos de festas atrás, o filósofo grego Epicuro escreveu uma carta para seu amigo Monoeceus, na qual observava: “uma pessoa sábia não escolhe simplesmente a maior quantidade de alimentos, mas o alimento mais prazeroso”.
Como nos encontramos em outro período de excessos festivos, podemos nos perguntar por que não seguimos esse conselho.
Certamente não é porque somos comedores disciplinados. Brian Wansink, com quem publico artigos em coautoria há vários anos, e dois colegas usaram dados de balanças wireless para registrar o peso diário de 2.924 pessoas ao longo de um ano. Eles descobriram um ganho médio de peso de 0,6 kg nos dias após o Natal nos Estados Unidos e de 0,8 kg na Alemanha. Seis meses depois, metade desse excesso de peso ainda não havia sido perdido.
Também não é porque nos sentimos felizes por manter esse peso extra. O interesse por regimes alimentares, como se pode ver nas buscas no Google, disparam assim que o período de indulgências se torna um período de boas resoluções alimentares. Mas esse interesse diminui com o passar do ano, e 80% dos regimes fracassam, voltando a despontar com ímpeto renovado no ano seguinte, num ciclo interminável de esperança e esquecimento.
Por que então preferimos quantidades maiores de alimento, em vez de alimentos mais prazerosos? Geralmente, é porque comemos com os olhos, coração e normas culturais, e não nos preocupamos absolutamente em como nos sentimos quando estamos comendo.
Felicidade é uma porção pequena de comida
Nos últimos dez anos eu estudei como as pessoas escolhem a quantidade de comida indulgente que comem. Em outras palavras, se quando, diante um bolo de chocolate, pegam uma fatia grande, uma pequena ou nenhuma. Recorrentemente descobrimos que as pessoas focam principalmente:
a) no medo de ficar com fome
b) no valor monetário do custo/benefício
Sendo que ambos levam a escolher grandes porções. Outro fator importante que discuti num artigo anterior da HBR, é que nosso cérebro não sabe dimensionar bem os produtos e subestima significativamente o tamanho das porções jumbo dos alimentos atuais. Se nos preocupamos por nos sentirmos enganados com o preço exagerado de um saco pequeno de pipoca no cinema (e ainda sentir fome depois de comê-lo), também não seremos capazes de perceber como a porção jumbo é realmente grande.
Numa série de estudos conduzidos pelos Estados Unidos e França com Yann Cornil, que atualmente é professo na Univesity of British Columbia, descobrimos que as pessoas não pensam no prazer ao decidir entre uma porção pequena e uma grande. Ainda mais surpreendente: as pessoas têm um conceito completamente equivocado sobre a relação entre o prazer e o tamanho da porção de comida.
Por exemplo, solicitamos a 367 adultos que imaginassem previamente qual seria sua preferência em relação a porções crescentes de brownie de chocolate. A maioria previu corretamente que as porções maiores (350 kcal) seriam exageradas, apesar de serem, na verdade, menores que um brownie normal da Starbucks. No entanto, todos eles relataram que prefeririam comer três quintos de um brownie (210 kcal), que somente um quinto (70 kcal). Verificou-se que eles estavam errados. As pessoas a quem foi oferecida a porção menor do brownie relataram ter uma experiência mais prazerosa que as pessoas que comeram a porção média que, por sua vez, se sentiam mais satisfeitas que aquelas que comeram o brownie inteiro.
Por que o prazer de comer não está relacionado com o tamanho da porção? Sabe-se que o primeiro bocado de qualquer alimento é o mais prazeroso. Todo o bocado posterior, embora ainda agradável, proporciona menos prazer que os anteriores. Esse é um fenômeno universal conhecido como adaptação hedônica. O que é menos conhecido, e totalmente inédito, é que o último bocado é o que determina nossa satisfação geral com o alimento que comemos. E quando a porção é grande, o último bocado torna-se então mais insípido e destrói toda a nossa avaliação da experiência de consumo. Por isso, quando as pessoas se esquecem disso e focam na fome, no valor monetário do custo/benefício ou simplesmente não percebem como as porções se tornaram grandes, elas acabam consumindo porções grandes demais do ponto de vista essencialmente do prazer.
Tornando-se um comedor epicurista
Como podemos nos mobilizar, e os nossos entes queridos, para focar no prazer, e não no tamanho, quando decidimos quanto queremos comer nos períodos de festas? Yann Cornil simplesmente solicitou que as pessoas pensassem na última vez que comeram uma sobremesa deliciosa e que se lembrassem do aroma, sabor, e textura. Isso não é difícil. Em nossos estudos, até crianças de cinco anos não têm dificuldade em repensar no prazer multissensorial que é comer musse ou sorvete de chocolate.
Os resultados foram surpreendentes. Essa breve (e prazerosa) “imagem multissensorial” fez as pessoas focarem na experiência de comer e as ajudou a imaginar como seria comer diferentes porções de brownie: elas então imaginaram como seria o prazer de comer um terço de um brownie e o prazer de comer o brownie inteiro. Como detalhei em outro artigo da HBR, a imagem multissensorial também levou os participantes de todos os nossos estudos, adultos e crianças, americanos e franceses a escolher espontaneamente, porções menores de alimento e — numa guinada que representa boas notícias para os profissionais de marketing — estar disposto a pagar mais por elas.
Para algumas pessoas, o prazer de comer resulta da avaliação estética do valor sensorial e simbólico do alimento. Para outros, resulta do alívio da fome e de impulsos orientados para a comida. Chamamos o primeiro tipo de “prazer epicurista da comida” e o segundo de “prazer visceral da comida”. Ao contrário do prazer epicurista, o prazer visceral é mais curto e pode ser medido pela resposta a pistas alimentares externas, como a visualização e o odor dos alimentos, independentemente do estado interno de saciedade da fome. (Ao realizar esse teste online, você pode descobrir se é um comedor epicurista ou visceral, e comparar seus resultados com os de respondentes americanos e franceses que já se submeteram ao teste).
Quem são os comedores epicuristas? Yann Cornil e eu descobrimos que a probabilidade maior é de serem mulheres, mas a identificação do comedor epicurista independe de idade, renda, nível de instrução, ou massa corporal. Em outras palavras, o comedor epicurista não se restringe aos segmentos mais jovens, instruídos e saudáveis da população. E o melhor de tudo, é que os comedores epicuristas, que preferem porções menores de alimentos, relatam sentir mais bem estar que os comedores viscerais.
Por isso, se você já é um comedor epicurista ou se precisa ser estimulado por meio de imagens sensoriais lembre-se, no próximo período de festas, que o prazer de comer é uma sensação que resulta da apreciação da qualidade, e não quantidade de comida. Afinal, é uma época para festejar, não para explodir.
Pierre Chandon, professor titular de marketing, inovação e criatividade, empossado pela L’ Oréal, no Insead, faculdade global de administração, com campus na França e Singapura. Ele também é diretor do Laboratório Comportamental do Insead, na Sorbonne.
Fonte: HBR