Era um rio grande, daqueles que passam lá embaixo. Aqui do alto, vemos um planalto com uma fenda no meio. Duas margens. Estávamos em uma das margens que conhecíamos bem. Não obrigatoriamente gostávamos dela, mas conhecíamos. Acontece que saltamos para a outra.
A outra margem está longe. Parece longe. Na verdade, a gente acha que tem uma margem, mas não tem certeza.
No momento estamos no salto. O longo salto, entre uma margem e outra. O rio pequenino lá embaixo.
Ah, a beleza da câmera lenta. Nosso vôo para o outro lado é visto em câmera lenta. Muito lenta. É possível se olhar em volta e admirar os detalhes. Olhar tudo com atenção. Enquanto estamos no ar, sem saber onde vamos aterrisar o que resta é olhar os detalhes e pensar.
A política.
Que loucura a política. Definitivamente deixamos uma margem do rio que conhecíamos bem e não gostávamos. E agora saltamos para a outra. Estamos no vôo, em câmera lenta.
Enquanto voamos, vemos tudo em detalhe. A podridão da corrupção escancarada. A carapuça caindo da cara dos políticos. Novos entrantes chegando. Muita briga, discussão. Teremos novos quadros? Candidatos melhores? Será que tudo isso vai ajudar a resolver melhor? Claramente saímos de uma situação mas ainda não chegamos em outra. É angustiante. Não sabemos onde vamos chegar, nem mesmo se vamos chegar. Estamos no salto. O que resta é olhar a paisagem enquanto traçamos a nossa rota rumo ao desconhecido.
O marketing.
Que loucura o marketing. Definitivamente deixamos uma margem do rio que conhecíamos bem e adorávamos, não é mesmo? Ah, como era bacana. Os formatos definidos. Os planos anuais. A projeção de 5 anos. E agora saltamos para a outra margem. Estamos no vôo, em câmera lenta. Onde vamos chegar? Vamos chegar?
A crise financeira nos pegou de frente, junto com a crise do modelo. Se cada vez menos gente vê televisão e cada vez mais gente usa a internet no celular, por que se pensa tão pouco e se investe tão pouco ainda no mobile? Como é que vou fazer para diferenciar meu produto, minha marca se todo mundo se fala nas redes sociais? Não dá mais para contar uma coisa e fazer outra. Preciso de inovação. Inovação pra quê? Quem me ajuda com a inovação? Como minha agência pode me ajudar? Será que a consultoria pode resolver tudo? Estamos no salto. Qual será o novo modelo? Será que teremos um novo modelo? Enquanto estamos no vôo, o que resta é olhar. Entender, estudar. Pensar, propor.
O trabalho.
Que loucura o trabalho. Definitivamente deixamos uma margem do rio e estamos no ar. Ficar numa empresa o resto da vida não faz mais sentido. Não existe mesmo. O que eu estudei não se usa mais. Tem tantas formas novas de se empreender. Tanta gente ganhando dinheiro e fazendo carreiras que a gente nem imaginava. Mas será que eu vou conseguir? E como faço pra largar o que eu tenho e ir pra esse novo modelo? Como pago as contas e inovo ao mesmo tempo? Estamos no ar, a caminho da outra margem. Mas não sabemos quando vamos chegar. Se vamos chegar. Em câmera lenta, olhamos o entorno, tentamos entender o que está acontecendo. Pensamos em onde vamos chegar.
Política, marketing, emprego. Três assuntos bem desconexos, mas passando pela mesma situação. Se você parar para pensar, daria pra aplicar esta sensação de ‘estar no ar’ para praticamente tudo à nossa volta: a segurança pública; a medicina; o futuro da Europa; a ameaça do terrorismo; a nova liderança dos EUA; as novas relações familiares; a nova lógica da produção industrial; do capitalismo. A lista não termina. A sensação é geral.
Talvez essa sensação de ter deixado uma margem do rio em direção à não-sei-bem-onde seja ampla, geral e irrestrita. Estamos no ar, em direção à não sabemos bem onde.
O momento em que tudo muda e ainda não se tem uma nova ordem, é angustiante, mas talvez seja o mais rico em oportunidades. Porque quando tudo está mudado, pode se mudar tudo!
Inventar novas fórmulas, novos desenhos, novos negócios. Mudar de país, de casa, de bairro. Renegociar, repactuar. Testar novas parcerias, novos modelos. Reescrever. Se reinventar.
Deixamos uma margem do rio que conhecemos e estamos em pleno ar. Em câmera lenta, olhamos os detalhes e, cuidadosamente, temos a oportunidade de desenhar a margem onde queremos aterrisar.
Vamos desenhar a nova margem. A nova realidade.
Olha que oportunidade extraordinária.
Fonte: Linkedin – Michel Lent Schwartzman